quinta-feira, 10 de julho de 2008

Entrevista para a jornalista Patrícia Benetti - 2007

Belo Horizonte, sol a pino. As pessoas andam rapidamente, talvez muito ocupadas para perceberem o que se passa nos arredores. Um homem, carregando dois sacos pretos nas costas, analisa atentamente a paisagem com um olhar de criança, como se fosse a primeira vez em que se encontrasse naquele meio urbano, caótico e barulhento. Ele caminha para cá, para lá. Parece não ter pressa. Coloca os dois sacos no chão, retira pequenas latas. Olha para um ponto fixo. Escolhe uma latinha, ajustando-a. Consulta o relógio várias vezes. Enquanto os cidadãos circulam agitados pelas ruas, ele está absorto. Depois de algum tempo, olha o relógio pela última vez. Limpa o suor, recolhe as latas e parte.
Esse é o retrato de mais um dia de trabalho de Cléber Augusto Fernandes Falieri, 46 anos, fotógrafo há mais de 10 anos no do Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema da Escola de Belas Artes/UFMG.
Criador/idealizador do primeiro site sobre câmera de orifício em língua portuguesa, Cléber diz que o Manual Prático de Fotografia Pinhole (http://www.eba.ufmg.br/cfalieri/index.html) era um projeto para livro, mas com o surgimento da web acabou se transformando em um site, o pioneiro nesse assunto.
Pinhole é um processo alternativo de produção fotográfica, no qual não são necessários muitos recursos. Basta um ambiente vedado de luz - latas de leite em pó, caixas de sapatos e, quem diria, até mesmo um pimentão - com um pequeno furo, algum material fotossensível e elementos para revelação. O termo em inglês Pinhole ou Pin-Hole, traduzido como “buraco de agulha”, foi criado no século 19 por David Brewster, um cientista escocês, possivelmente o primeiro a fazer imagens fotográficas com uma câmera escura.
Conhecida também como câmera estenopéica, esse processo sem o tradicional aparato tecnológico, envolve o fotógrafo desde a criação da câmera até a revelação. “A câmera, a partir dessas novas experiências, não é mais uma parte do processo de produção fotográfica, mas aquilo que o determina. Isso por dois motivos principais: primeiro, porque a relação homem-máquina deixa de ser apenas um elo da corrente capitalista; segundo, porque a presença dela no momento da captura da imagem desconstrói o mito da fotografia como representação objetiva da realidade. Explorando mais essas possibilidades, a ligação da pinhole com atividades de reaproveitamento de materiais é evidente. Caixas de papelão, latas enferrujadas, pedaços de madeira cascas de ovos: tudo pode se transformar em uma câmera pinhole, ficando evidente uma característica muito forte da técnica: a reciclagem. Isso rompe com a estrutura capitalista que determina a produção imagética.” (Fábio Goveia)
De onde veio sua paixão pela fotografia?
Minha paixão pela fotografia foi ainda na infância, mas a minha relação afetiva com ela só veio de verdade quando eu, aos 22 anos, cursando artes plásticas na Escola Guignard, tive a oportunidade de utilizar o laboratório da escola e aprender muito.
Com tanta tecnologia disponível e novas técnicas que permitem atingir boa qualidade em pouco tempo, por que você decidiu escolher a câmera de pinhole?
Minha decisão é anterior a essas novas tecnologias, quando ainda a tecnologia da fotografia se limitava ao filme . Além do mais, a questão não é a busca de uma melhor qualidade da imagem. Qualidade no meu ponto de vista não depende do novo. A fotografia através da ótica da pinhole nos permite uma interação com todo o processo da criação fotográfica. É uma experiência lúdica, no qual podemos despertar nossos conceitos visuais, aguçando o nosso olhar. Uma imagem fotográfica captada através de um pinhole tem personalidade
A partir de que momento passou a se interessar por essa técnica?
Na Guignard, redescobri a fotografia pinhole que meu avô já fazia e que a gente admirava. Não deu outra. Ao rever tudo aquilo, eu também quis experimentar. Apaixonei-me de cara quando revelei minha primeira imagem. Quando comecei a fazer disciplina de fotografia básica, logo de início, no primeiro semestre do curso consegui bons resultados. Fiz uma série com mais de 50 imagens da cidade de Belo Horizonte, o que me valeu a primeira participação em um salão de artes plásticas. Como artista, utilizando essa técnica, fui cada vez mais me interessado pelo leque de possibilidades que a pinhole oferece.
E qual é esse leque de possibilidades?
Refiro-me aos diversos formatos, às infinitas possibilidades de produzir imagens através do pinhole, sejam elas feitas em câmeras artesanais ou adaptadas a equipamentos. Nos diversos conceitos em que estas imagens podem ser geradas e também nas suas aplicações - seja enquanto fotografia pura ou como imagem em transformação. Seja na fotografia, no cinema, nas artes plásticas e gráficas e nas chamadas mídias imediatas. Há também que ser lembrado os projetos de cunho social e educacional, nos quais a pinhole sempre se mostrou como um bom recurso de conscientização.
A fotografia artesanal em pinhole é usada em muitos eventos educacionais como Projeto Morrinho, expostas na 27ª Bienal de São Paulo, o Grupo Lata Mágica do Rio Grande do Sul que oferece oficinas em hospitais, escolas além projetos de inclusão social como Luz reveladora - Photo da lata, que ministra em comunidades carentes do RS e premiado pela Unesco em 2003. De que maneira a câmera pode participar como formação de consciência de cidadania e educadora do olhar?
Acredito que a pinhole agrega diversas ferramentas para isso. Ela leva de maneira lúdica e atraente o conhecimento sobre a imagem como um fenômeno natural. Ela ensina e aguça o olhar, sensibilizando o indivíduo para questões relativas àquilo que ele busca registrar. Ela também proporciona um canal de expressão e reflexão de diversos olhares e uma forma de comunicação visual.
Numa época em que a imagem digital domina o mercado é no mínimo curioso observar o interesse pela fotografia artesanal, utilizando uma técnica já descrita por Leonardo da Vinci no renascimento.
A razão está justamente aí no brinquedo, na brincadeira. O resultado em relação ao processo digital é bem mais interessante porque envolve a surpresa, a expectativa do resultado, somada a toda trajetória lúdica de construção da câmera, as experiências em laboratório e no ato de fotografar.
No próximo dia 29 de abril ocorrerá o WorldWide Pinhole Day, evento criado para promover a arte da fotografia pinhole. Qual é a importância desse dia?
O dia mundial da fotografia pinhole foi criado em 2001 pelo fotógrafo norte-americano Gregg Kemp e está em sua oitava edição, sempre celebrado no último domingo de abril. No ano passado, o Pinhole Day aconteceu simultaneamente em mais 60 países. Trata-se de um evento aberto que incentiva a participação de todos, seja por iniciativas individuais ou coletivas, disponibilizando uma galeria virtual com uma foto por participante. No site, podemos encontrar todas as fotos produzidas desde 2001 assim como obter informações sobre os eventos regionais, tais como oficinas, palestras e exposições.
Há quanto tempo você participa do Pinhole Day e como será sua participação nesse dia?
Em Belo Horizonte, desde 2004, organizamos oficinas e mostras fotográficas através da Escola de Belas Artes. Nossa proposta consiste em ensinar a construção de câmeras, organizar saídas fotográficas pela região onde acontecem as oficinas e arredores, vivência no laboratório, apresentação de objetos óticos lúdicos e bate-papos em torno da produção, exposições com os participantes e artistas convidados. Para este ano, vamos nos concentrar nas oficinas e nas palestras, deixando a exposição, possivelmente para agosto, comemorando o Dia Internacional da Fotografia. Somos um grupo de 5 fotógrafos organizadores e contamos com mais 10 monitores.
Qual é a dimensão desse evento?
Em 2006, uma média de 2 a 3 mil pessoas participaram desse evento realizado simultaneamente em 60 países. Do Brasil, presente na exposição do PD do ano passado, foram 114 pessoas, mas se levarmos em conta aqueles que não chegaram a enviar suas imagens para o site, com certeza, pelo menos aqui em Belo Horizonte, teríamos mais 200 pessoas. Para este ano esperamos um público de pelo menos 500 pessoas.

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